
(reposta ao Elogio da Loucura)
Dizem que estou em crise e que perdi meu posto para a Loucura, aquela vaca gorda. No entanto, sinto-me muito viva e vigorosa, o suficiente para calar os tolos. Com as plásticas da modernidade, meus seios ficaram durinhos, meus lábios carnudos e meu traseiro... Ah, meu traseiro? Todos ainda querem apertá-lo! Devo isso a Descartes, aquele racionalista convicto, que quase me confundiu com o Cético, meu pai, mas reconheceu-me no “Penso, logo existo”. Alguns tolos não entendem tal sentença e julgam-se mais sábios do que tantos outros. E julgam-se assim sem nunca me contatarem.
O esclarecimento, ou melhor, idealismo alemão, levou-me ao poder supremo, enquanto a Loucura revirava latas de lixo por uma rua qualquer de Amsterdã. É bem verdade que eu tive meus momentos de decadência com Nietzsche. Não há dúvida: eu sou e sempre fui muito mais atraente que a Loucura, e engane-se aquele que diz o contrário. Quer este enfrentar-me, afinal? Nietzsche almejou-me na cama, numa orgia na presença e na ação da Loucura. Como eu poderia subir na cama com aquela beata? De tão gorda que é, não haveria espaço para nós três. Abandonei Nietzsche para que este ficasse unicamente na companhia daquela imensa vaca. Dizem que o filósofo alemão morreu por causa dela. Eu, sábia, despontei imponente na contemporaneidade.
Quase perdi a razão, ou melhor, quase me perdi, quando Heidegger perguntou: “Arvorou-se a razão mesma como senhora da filosofia?” Ora, pergunta mais racional que esta não há. Todavia, crêem os tolos que foi precisamente nesse momento que entrei em crise. Para tolos, basta crença!
É claro que não preciso me justificar. Razão não justifica a razão, mas tenho um instrumento eficaz para apresentar a sanidade: a Lógica. Desvia-te dela e estarás a desviar-te de mim.
Confiai em mim, estou certa, afinal. Estou tão presente em vossas vidas, que qualquer tentativa de me abater torna-me ainda mais forte. Ora, aquele que me enfrentar, terá que me utilizar como instrumento de batalha. Há, pois, outro critério que não consista no usufruto de minhas delícias? Creio que não!